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BASTIDORES: União pede música no Fantástico pelas taxas da Suframa

O texto é sobre a Medida Provisória nº 757/2016, adotada em 19 de dezembro de 2016.

24/03/2017 às 11h08 Atualizada em 24/03/2017 às 16h52
Por: Portal Holofote Fonte: Jota
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Foto: Reprodução/Internet
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O título provocativo não deve minorar a importância da discussão. Cuida-se de instituição de taxa, por meio de medida provisória maculada com vício de inconstitucionalidade, para substituir Lei Ordinária afastada pelo Supremo Tribunal Federal e que já havia sido sancionada para ocupar espaço deixado por normas anteriores, também contrárias à Constituição Federal de 1988.

Vejamos:

A Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) instituiu a Taxa de Serviços Administrativos (TSA), por meio de portarias[1], com base no art. 24 do Decreto-Lei nº. 288/67[2]. Acertadamente, o Plenário do STF afastou a incidência da referida taxa, no julgamento do RE 556.854/AM, cuja ementa é a seguinte:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. EXAÇÕES PAGAS À SUPERINTENDÊNCIA DA ZONA FRANCA DE MANAUS – SUFRAMA. NATUREZA JURÍDICA DE TAXA. INSTITUIÇÃO POR MEIO DE PORTARIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 24 DO DECRETO-LEI N. 288/1967 NÃO RECEPCIONADO. 1. Taxa e preço público diferem quanto à compulsoriedade de seu pagamento. A taxa é cobrada em razão de uma obrigação legal enquanto o preço público é de pagamento facultativo por quem pretende se beneficiar de um serviço prestado. 2. A Superintendência da Zona Franca de Manaus – Suframa exerce atividade afeta ao Estado em razão do disposto no art. 10 do Decreto-Lei n. 288/1967, e as exações por ela cobradas são de pagamento compulsório por quem pretende se beneficiar dos incentivos oferecidos pelo Decreto-Lei n. 288/1967, tendo, assim, natureza de taxa. 3. O parágrafo único do art. 24 do Decreto-Lei n. 288/1967, que autoriza a Superintendência da Zona Franca de Manaus – Suframa a instituir taxas por meio de portaria contraria o princípio da legalidade e, portanto, não foi recepcionado pela Constituição da República de 1988. (RE 556854, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-195 DIVULG 10-10-2011 PUBLIC 11-10-2011 RT v. 100, n. 914, 2011, p. 430-446)

Insatisfeita, a União reinseriu o mesmo tributo no ordenamento jurídico. Desta vez, por meio do art. 1º da Lei nº. 9.960/2000[3]. A mudança de veículo legislativo, no entanto, não obteve “melhor sorte” e a referida taxa acabou, novamente, julgada inconstitucional, nos autos do ARE 957.650/AM, cuja ementa da curiosa decisão[4] restou assim editada:

TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SUPERINTENDÊNCIA DA ZONA FRANCA DE MANAUS (SUFRAMA). COBRANÇA DA TAXA DE SERVIÇOS ADMINISTRATIVOS, INSTITUÍDA PELO ART. 1º DA LEI 9.960/00. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. É inconstitucional o art. 1º da Lei 9.960/00, que instituiu a Taxa de Serviços Administrativos (TSA), por não definir de forma específica o fato gerador da exação. 2. Agravo conhecido para negar provimento ao recurso extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral do tema e a reafirmação da jurisprudência sobre a matéria. (ARE 957650 RG, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, julgado em 05/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-098 DIVULG 13-05-2016 PUBLIC 16-05-2016)

Mas, numa clara demonstração de resiliência, a União tenta novamente taxar as atividades exercidas no âmbito da Suframa, agora, mediante a instituição da Taxa de Controle de Incentivos Fiscais (TCIF) e da Taxa de Serviços (TS), por meio da Medida Provisória nº. 757/2016, adotada em 19 de dezembro de 2016.

A análise da mesma sugere que terá o mesmo fim das iniciativas anteriores.

Com efeito, desde a sua exposição de motivos é possível constatar a inexistência dos requisitos primordiais para edição de medidas provisórias, quais seriam, a relevância e a urgência, pois, além de apontar o último julgamento realizado pelo STF (ARE 957.650/AM), levanta como fundamento, para criação do tributo, a mera consequência da instituição de exações pela via inadequada, conforme se pode destacar:

  1. Além da arrecadação não realizada ainda há de ser considerado o latente prejuízo de devolução dos valores que ainda vem sendo recolhidos; potencialmente a repetição de indébito pode afetar parte dos R$3,07 bilhões arrecadados de 2008 a 2015, com acréscimos de juros, correção monetária e honorários advocatícios.
  2. Dado tal cenário, vislumbra-se que a extinção da taxa atualmente cobrada e sua substituição por outras mediante edição de medida provisória possa superar os riscos existentes e deter a evolução dos prejuízos.

Ora, por este raciocínio, a instituição das referidas taxas não possui como finalidade a contraprestação por uma atividade estatal, de acordo com o que determina a Constituição Federal. De modo diverso, sua razão de ser indica, principalmente, a constituição de caixa para fazer frente ao pagamento dos indébitos decorrentes da tributação inconstitucional das mesmas atividades.

No entanto, considerando que o STF entende não caber ao Poder Judiciário apreciar a existência de relevância e urgência para edição de medidas provisórias (ADI 1667/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 21/11/1997) bem como afirma ser possível instituir tributos por medida provisória (ADI 1417/DF, Rel. Min. Octávio Gallotti, DJ de 24/05/1996), cabe-nos, aqui, apesar de discordar de ambos os entendimentos, nos restringir ao exame dos dispositivos da MPv 757/2016 que, ainda assim, não superam as exigências constitucionais para instituição de taxas.

Seguindo a linha trilhada por Edvaldo Brito, pode-se afirmar que “a taxa é o tributo brasileiro sinalagmático, por excelência“[5], pois, indissociável da necessária contraprestação do sujeito ativo em face do sujeito passivo. Com razão, a Constituição Federal é restritiva ao condicionar a instituição de taxas ao exercício do poder de polícia e à prestação, efetiva ou potencial, de serviços públicos (art. 145, II da CF/88[6]).

Neste passo, a medida provisória em comento aparentemente conseguiu se desvincular do vício que resultou na inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº. 9.960/00, o qual não continha definição concreta da atuação estatal própria do exercício do poder de polícia ou do serviço público, específico e divisível, prestado ou posto à disposição do contribuinte.

A MPv nº. 757/2016 descreve em seus arts. 2º ao 4º as atividades que corresponderão ao exercício do poder de polícia que justifica a TCIF e dispõe em seu art. 13[7] que os fatos geradores dos serviços para os quais é cobrada a TS se encontram descritos no Anexo II da norma.

Mas, derrapa na fixação da base de cálculo e na destinação dos tributos, e acaba por macular as exações. As taxas diferem-se dos impostos porque “[…] a análise de suas bases de cálculo deverá exibir, forçosamente, a medida da intensidade da participação do Estado“[8]. Geraldo Ataliba também não diverge desta opinião, ao vincular a base imponível da taxa a uma dimensão da atividade estatal, que pode ser “[…] custo, valor ou outra grandeza qualquer (da própria atividade)“[9].

Em outras palavras, esta espécie de tributo é mensurada com apoio em alguma medida (a critério do legislador) da prestação estatal, seja esta um serviço ou o exercício do poder de polícia.

No entanto, a TCIF observa como grandezas, o valor e a quantidade da mercadoria e não uma medida de atuação estatal, haja vista que o elemento objetivo da obrigação tributária, descrito no seu art. 4º, não guarda correspondência com os critérios de quantificação do tributo, apontados no seu art. 8º, principalmente considerando a redação do seu parágrafo único, como se pode notar:

Art. 4º  O controle a ser exercido pela Suframa, em conformidade com os § 2º do art. 2º e § 2º do art. 3º, compreenderá, entre outras providências, a conferência da situação cadastral e fiscal da pessoa jurídica ou da entidade equiparada e da documentação fiscal e de transporte das mercadorias, a sua vistoria física, conforme a necessidade, e a averiguação de situações que possam ensejar a suspensão ou a exclusão dos incentivos fiscais.

……………………………..

Art. 8º  Ocorre o fato gerador da TCIF no momento do registro de pedido de licenciamento de importação a que se refere o art. 2º ou do registro de protocolo de ingresso de mercadorias a que se refere o art. 3º, sendo devida em conformidade com a soma dos seguintes valores:

I – pelo pedido de licenciamento de importação ou por cada nota fiscal incluída em registro de protocolo de ingresso de mercadorias, o valor de R$ 200,00 (duzentos reais), limitando-se a 1,5% do valor total das mercadorias constantes do respectivo documento; e

II – para cada mercadoria constante do pedido de licenciamento de importação ou de cada nota fiscal incluída em registro de protocolo de ingresso de mercadorias, o valor de R$ 30,00 (trinta reais), limitando-se cada parcela a 1,5% do valor individual da correspondente mercadoria.

Parágrafo único.  Considera-se mercadoria cada bem especificado como item em pedido de licenciamento de importação ou em nota fiscal vinculada a protocolo de ingresso de mercadoria, para fins do inciso II do caput.

Ora, o valor das mercadorias, ainda que sem a limitação acima prevista, é a base de cálculo de outros impostos previstos na legislação, a exemplo do imposto de importação e imposto sobre circulação de mercadorias. Consequentemente, a instituição da referida taxa encontra óbice na vedação contida no art. 145, § 2º da CF/88[10].

Ainda que não fosse, também não corresponde ao elemento objetivo das taxas, pois, não se refere a uma “grandeza numérica ou econômica de uma atividade estatal“, como já se manifestou o STF (ADI 447/DF, Rel. Min. Octávio Gallotti, DJ de 5/3/1993).

Em reforço deste entendimento, o art. 15 da medida provisória[11] corrobora a inexistência de vinculação da atividade estatal como vetor de fixação da base de cálculo, pois, prevê a utilização abrangente e discricionária, pela autarquia federal detentora da sujeição ativa, dos recursos arrecadados por meio das taxas instituídas, desde que restrita às suas atividades fins, que não se esgotam naquelas que servem de fato gerador ao pagamento da TCIF e da TS.

Cabe ainda ressaltar, quanto à TS, a possibilidade de sua atualização anual, por meio de ato infralegal de Ministro de Estado, que leva em consideração índices inflacionários e não a variação de custo ou outra importância diretamente relacionada com o serviço supostamente prestado (art. 14[12]).

Logo, ainda que a destinação legal do tributo seja irrelevante para definir sua natureza jurídica (art. 4º e inciso II do CTN), a identidade da base de cálculo da TCIF com a de outros impostos representa vedação constitucional à sua instituição, ensejando o reconhecimento da sua inconstitucionalidade.

E com relação à TS, a norma elenca no Anexo II, serviços que não representam atividade estatal e correspondem a fatos típicos da tributação via ISS, como por exemplo “armazenagem e movimentação de cargas” e “movimentação interna de mercadorias nos entrepostos”.

Ademais, considerando que o trâmite da Medida Provisória 757/2016 no Congresso nacional iniciou em 20/12/2016, a sua eficácia somente ocorrerá em 2018, ou seja, somente poderão ser aplicadas (exigidas) as taxas por ela instituídas no ano posterior à sua conversão em lei, tendo em vista a previsão do art. 62, § 2º da CF/88, in verbis:

§  2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.

Assim, como as taxas não fazem parte da exceção acima apontada e, ainda, a possibilidade de rejeição ou perda de eficácia da MP por decurso de prazo se não for convertida em lei no prazo de cento e vinte dias (art. 62, § 3º, CF/88), se reforça a importância e atualidade da discussão, quanto aos requisitos da relevância e urgência aptas a justificar a utilização deste veículo legislativo na instituição de tributos, quando a Constituição Federal possibilita ao presidente solicitar a urgência na apreciação de projetos de sua iniciativa (art. 64, § 1º, CF/88).

Mas, ainda que a opção escolhida fosse essa, a utilização da técnica legislativa adequada não seria suficiente para afastar as incompatibilidades das referidas taxas com a Constituição Federal.

Por consequência, se levada à frente a MPv 757/2016 (o site da Suframa contém aviso indicando que as taxas aqui referidas serão cobradas a partir de 20 de março de 2017) e posteriormente convertida em lei com a redação atual, caberá apenas aguardar que o STF mantenha a coerência com as decisões que já tomou sobre o mesmo tema para, então, perguntar ao governo a música de sua preferência.

———————–

[1] A SUFRAMA editou várias portarias neste sentido, entre elas as de nº. 171/1983, 151/1983, 17/1984, 309/1995, 197/1996, 314/1997, 24/1999 e 27/1999.
[2] Art 24. A SUFRAMA poderá cobrar taxas por utilização de suas instalações e emolumentos por serviços prestados a particular.
Parágrafo único. As taxas e emolumentos de que tratam êste artigo serão fixadas pelo Superintendente depois de aprovadas pêlo Conselho Técnico.
[3] Art. 1o É instituída a Taxa de Serviços Administrativos – TSA, tendo como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição pela Superintendência da Zona Franca de Manaus – Suframa.
[4] Reputamos como curiosa a decisão do Excelso Pretório, pois, como se pode observar do pronunciamento do Eminente Min. Marco Aurélio, nos autos, a pretexto de decidir apenas a repercussão geral do recurso, os Ministros do Supremo Tribunal Federal acabaram julgando o próprio mérito em sede de plenário virtual. Todavia, essa aparente idiossincrasia da Corte Suprema não é o objeto deste breve ensaio.
[5] BRITO, Edvaldo. Direito tributário: imposto, tributos sinalagmáticos, contribuições, preços e tarifas, empréstimo compulsório. São Paulo: Atlas, 2015. p. 82.
[6] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

……………………

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
[7] 
Art. 13.  Ocorre o fato gerador da TS no momento da solicitação dos serviços do Anexo II, de acordo com as especificações e os valores previstos.
[8] 
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 23ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 71.
[9] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6º ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 150.
[10] Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

…………………..

§ 2º As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.

[11] Art. 15.  Os recursos provenientes da arrecadação da TCIF e da TS serão destinados exclusivamente ao custeio e às atividades fins da Suframa.
[12] 
Art. 14.  Os valores previstos no art. 8º e no Anexo II poderão ser atualizados anualmente em ato do Ministro de Estado da Indústria, Comércio Exterior e Serviços por aplicação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial – IPCA-E do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE ou por índice que venha substituí-lo.

por Anderson Pereira - advogado na Bahia, presidente da Comissão de Direito Tributário da Subseção de Feira de Santana da OAB/BA e membro da Comissão de Direito Tributário da Seção da Bahia da Ordem dos Advogados do Brasil.

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